quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

O que é RPG?



Pergunta meio idiota, não? Quase todo nerd que se preze está muito bem familiarizado com este encantador hobby, e os outros poderiam encontrar facilmente uma definição básica na internet, dessas de um parágrafo que figuram no capítulo de introdução de todo Livro Básico de regras. Sendo assim, por que eu perderia meu tempo escrevendo um texto sobre isso?

Porque as coisas não são assim tão simples. Ao longo desses dez anos de RPG (pouco mais que a metade do meu tempo de vida), experimentei os mais variados sistemas e ambientações, e conheci uma substancial variedade de grupos e jogadores. Cada um com concepções diferentes a respeito de o que diabos significa jogar um RolePlaying Game.

Não há nada de errado com isso, é claro. Acho perfeitamente natural que indivíduos com históricos de vida diferentes divirjam neste assunto, assim como o fazem em relação a qualquer outro tema. Alguém com maior apreço pelas ciências exatas, por exemplo, ficará encantado com um sistema mais complexo e sua capacidade de simular matematicamente as situações mais variadas. Por outro lado, um ator que decida jogar RPG muito provavelmente deixará os números e dados de lado e se concentrará em incorporar e dar vida ao seu personagem. Pessoas diferentes, concepções diferentes.

E justamente por isso eu resolvi escrever este modesto texto. Porque, após experimentar, durante anos, formas variadas de jogar (algumas muito divertidas, outras nem tanto) e refletir com calma sobre o assunto, eu cheguei a uma concepção bastante simples e coerente (pra mim, pelo menos) com a qual estou satisfeito. Isso não significa que essa seja uma verdade absoluta nem que eu vá parar de experimentar coisas diferentes. Significa apenas que eu descobri o que EU acho divertido, e talvez vocês concordem comigo.

Então chega de enrolação e vamos lá.

*          *          *

Para ser bem didático, vou começar com o significado da sigla.

RolePlaying – o ato de interpretar (to play) um papel, um personagem (role). O sufixo ing indica uma adjetivação do verbo.

Game– segundo o Oxford Dictionary, uma atividade da qual um indivíduo participa visando o entretenimento. Em muitos casos, o termo game também remete a uma atividade coordenada por regras.

Assim sendo, eu definiria o RolePlaying Game como “Uma atividade que visa o entretenimento através da descrição e interpretação de situações definidas pelas escolhas dos participantes e por um sistema de regras.”

- Ah, mas isso é óbvio! - você exclama - Todo mundo sabe disso!

Será mesmo? Vamos a um pequeno exemplo. Para ser o mais abrangente possível, utilizarei no meu exemplo o sistema D&D, por ser o mais jogado no mundo e possivelmente também no Brasil (embora não seja meu favorito pessoal).

A Comitiva da Estrela Rubra, um grupo de heróicos aventureiros preocupados com o destino das Cidades Livres e de seus inocentes habitantes, decide que a melhor maneira de deter o terrível dragão Slarkret, o Ganancioso, é apelando para o auxílio do Grande Arquimago Haal-Baschet. No entanto, o Arquimago é um velho recluso, que vive trancado em sua torre e há séculos desistiu de ter qualquer influência no mundo do lado de fora.

Após passar por muitas aventuras, a Comitiva conseguiu se encontrar com Haal-Baschet. Luigi, o encantador Menestrel do grupo, tentará usar de todo o seu traquejo social para convencer o Arquimago a deixar seu exílio e chutar a bunda do dragão.


Situação número 1 (a que eu vejo acontecer com maior frequência): Wandercleison, o jogador responsável por Luigi, anuncia que vai tentar convencer o Arquimago de forma diplomática. Aparício, o Mestre (ou Dungeon Master, pros mais bestas) pede que ele role um teste da perícia Diplomacia. Wandercleison rola um bom valor no dado e, somado com seu ótimo bônus na perícia em questão, obtém um sucesso. A aventura segue adiante.

Situação número 2: Wandercleison anuncia o mesmo intento. No entanto Aparício, ao invés de pedir um teste de perícia, deixa os dados de lado e pede que Wandercleison incorpore seu personagem e diga o que ele diria naquela situação. Se for convincente o bastante, o Grande Arquimago Haal-Baschet ajudará o grupo de bom grado.

Qual a diferença essencial entre estas duas situações? É que na primeira vemos um Game, mas não um RolePlay. As situações são resolvidas de forma quase automática, através do mecanismo das regras. Meio sem emoção, não? Já na segunda, vemos um RolePlay, mas não um Game. É fácil perceber que se Wandercleison for realmente convincente, seu personagem sempre será bem sucedido. Meio sem desafio, não? Ambas as formas podem ser divertidas, dependendo de quem está jogando (eu, pessoalmente, odeio a primeira). Mas são também, ao meu ver, incompletas.

Então como completar a sigla? Seguindo o exemplo que eu utilizei acima, Aparício pediria a Wandercleison a mesma jogada de Diplomacia. Assim como na Situação nº1, o resultado é definido pela combinação entre o valor anotado na ficha e o valor da rolagem do dado. Desta vez, no entanto, o desafio de Wandercleison (e do mestre, ao incorporar o NPC) seria interpretar este resultado definido pelas regras. O valor rolado foi muito baixo? Wandercleison simula uma conversa que não foi tão bem, comete uma gafe de propósito. O personagem passou “raspando” no teste? O NPC (interpretado pelo Mestre) é convencido, mas não sem antes resistir um pouco. Wandercleison foi sortudo e rolou um belo e redondo 20 no dado? O Arquimago se rende aos seus argumentos logo na segunda frase.


Como você deve ser capaz de supor, isto não vale apenas para perícias sociais. Seu personagem Ladino resolveu bancar o Ezio Auditore da Firenze e fazer um parkour pelos telhados enquanto foge da milícia da cidade? Após as várias rolagens de Acrobacias pedidas pelo Mestre, descreva toda a sequência em detalhes, utilizando-se das rolagens de diferentes valores para definir em que pontos seu ladino escalou como um gato e em quais ele quase despencou de cara no chão.

E no combate? Que tal utilizar-se do valor das rolagens para descrever com detalhes a qualidade e a intensidade do seu ataque? Que tal também deixar de lado as “burocracias RPGísticas” (como a equivalência entre “quadrados” de movimento na diagonal e na vertical. Aliás, esquece essa baboseira de se mover em “quadrados”) e se focar em detalhes mais literários e interessantes, como o suor escorrendo pela testa do Ranger arqueiro ao fazer mira, a força com que o Paladino segura o punho da espada ou o urro alucinado que o Bárbaro solta ao brandir seu machado?

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Enfim, é assim que funciona o RPG para mim. Temos fichas, regras e rolagens de dado, mas isto tudo está ali para nos ajudar a definir o que narrar, descrever ou interpretar. No final das contas, RPG se trata de criar uma boa história. E se divertir com ela, é claro.

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