quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Por que Fantasia?



Como alguém que tem a literatura fantástica como gênero favorito (seja para ler ou para escrever), eu já tive que escutar diversas vezes aquela clássica pergunta "mas por que você gosta desses negócios com magia?" 

Me incomoda um pouco saber que a compreensão da maioria das pessoas sobre fantasia se resuma a "negócios com magia". Então me propus a discutir um pouco sobre o que diabos é Literatura Fantástica; sempre segundo minha opinião pessoal, claro.

Primeiramente, eu quero deixar claro que existem (no mínimo) duas maneiras de rotular uma obra como fantasia ou não. Do ponto de vista de gênero, o rótulo funciona mais ou menos como uma cultura (leia aqui meu post sobre Cultura): é literatura de fantasia qualquer obra que as pessoas concordarem coletivamente em chamar de literatura de fantasia. Simples assim.

Meu objetivo neste texto é um pouco diferente: identificar as características de uma retórica (estilo de argumentação) própria da literatura fantástica. Pra isso eu tomei como base estudos sobre a retórica mitológica, da qual a fantasia é a descendente mais próxima.


------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Vou começar com a questão temática. Para compreender o que eu entendo por Tema, leia este texto aqui sobre as Três Camadas da narrativa.

Assim como os mitos antigos, as histórias de Fantasia costumam prezar por temas mais amplos e abstratos. Isso se deve diretamente ao seu característico afastamento da realidade e do realismo.

Enquanto a ficção política dá preferência aos temas sociológicos (Desigualdade, Discriminação, Autoridade, Repressão, Traição...) e a ficção intimista dá preferência a temas psicológicos (Loucura, auto-Descoberta, auto-Aceitação), a ficção fantástica costuma abordar temas filosóficos (Bem e Mal, Verdade, Superação, Amizade, Honra, Caráter, Beleza).

Temas com essa amplitude acabam gerando mensagens poderosas, que alcançam públicos variados e sobrevivem bem ao tempo. Não é à toa que ainda convivemos com mitos e fábulas de séculos de idade.

------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Agora vou entrar um pouco na questão estrutural, portanto recomendo ler primeiro este post aqui sobre o Monomito.

Não é à toa que a Magia esteja tão associada à Fantasia; ela ocupa o papel de um elemento narrativo muito importante ao gênero. Diferentes escolas de estudo de narrativa e mitologia usam nomes diversos para este elemento: o Mágico, o Fantástico, o Metafísico, etc. Meu favorito é o utilizado pelos hagiógrafos (quem estuda narrativas de vidas e milagre de santos cristãos): o Maravilhoso. É este, portanto, o termo que usarei daqui para frente.

Primeiramente, ainda na etapa do mundo comum, o Maravilhoso atua tornando o protagonista especial de alguma forma que vai justificar toda a sua subsequente jornada apoteótica.

Logo em seguida ele tem a função de intensificar o abismo entre o mundo comum e o mundo especial. O próprio contato com o Maravilhoso marca o primeiro limiar que o protagonista deve cruzar antes de começar sua história.

Ele marca este limiar de uma forma muito específica, que justifica minha preferência de nome: maravilhando, literalmente, o espectador; causando nele a fascinação natural por explorar um novo mundo, com regras diferentes. São justamente essas regras que o protagonista explora e aprende durante a etapa dos testes, aliados e inimigos, até o ponto de transformar o Maravilhoso em algo comum, banal.

Ele volta a ter seu impacto dramático mais à frente, durante a provação. O Maravilhoso volta a ser misterioso e imprevisível ao quebrar todas as regras, permitindo ao protagonista derrotar um antagonista (ou Sombra) que havia sido apresentado originalmente como invencível. É esse tipo de "surpresa aguardada" que gera no espectador a sensação de clímax.

Esta revelação final também renova o interesse do espectador pelo Maravilhoso, mostrando que há novas camadas de compreensão a serem exploradas. Este é um dos segredos por trás das grandes franquias de fantasia e do amor que os leitores/espectadores desenvolvem pelo universo ficcional.

------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------


Espero que, durante minha argumentação, tenham ficado evidentes os motivos pelos quais eu amo a Fantasia.

Espero mais ainda que as pessoas percebam que um gênero literário vai além da aparência do pano de fundo; que uma ficção fantástica pode se passar em naves espaciais, enquanto uma ficção política pode conter magia sem virar por causa disso uma obra de Fantasia.

0 comentários:

Postar um comentário